CULTURA FUTURA

Rui Ibañez Matoso
2 min readDec 28, 2023

Em 2019 redigi aquilo que seria, a meu ver, uma breve descrição do principal entrave ao desenvolvimento cultural dos territórios, num artigo intitulado “A insustentável leveza do municipalismo cultural”. Associei o cerne do problema à débil e perversa gestão autárquica do serviço público de cultura (salvo exceções). Débil, porque escassa em resultados na ampliação e intensificação da vitalidade cultural dos territórios. Perversa, por instrumentalizar o poder democrático e esbanjar o erário público sem critérios para além do taticismo eleitoralista de circunstância, e cometendo, para tal, os maiores atropelos à Constituição da República.

Apesar de identificado há muito tempo — até porque não é assim tão subtil- o sintoma mais flagrante deste abuso do “poder simbólico”, e os seus efeitos nefastos, tem sido descurado na esfera pública cultural, talvez porque sirva a diversos interesses. Refiro-me ao conjunto de práticas conhecidas como “dirigismo cultural”, designadamente o exercício inconstitucional da programação cultural realizada pelo Estado (autarcas).

Em 2024 celebramos as cinquenta voltas ao sol de Abril, cinco décadas da revolução que aboliu a “ditadura espiritual” do bom gosto obrigatório para o povo, e que instaurou a liberdade cultural e a democracia municipal. Há 50 anos as autarquias foram investidas das mais ambiciosas expectativas democráticas, o poder democrático local. Da fase embrionária e experimental à atualidade, esperava-se que o exercício do poder político fosse mais participado pelos cidadãos, favorecendo um quotidiano de vivências plurais e uma cultura política de cidadania ativa, capaz de neutralizar a obediência e a submissão requeridas pelo autoritarismo prevalecente até então. Contudo, à macrocefalia da administração central acabou por suceder o microcefalismo da administração local.

Os dois excertos de vídeo que acompanham esta publicação são o meu reconhecimento de gratidão a duas pessoas que ocupam os cargos de maior relevo na hierarquia da administração pública da cultura no Estado. Apesar da autonomia do poder local, o Ministro da Cultura (Pedro Adão e Silva) e o Diretor Geral das Artes (Américo Rodrigues), não quiseram terminar 2023 sem mencionar a necessidade inadiável de os municípios assumirem definitivamente a sua responsabilidade na realização da Democracia e da Cidadania Cultural, coibindo-se de manter privilégios autocráticos e autoritários que em nada dignificam o exercício da política num Estado de direito e democrático.

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Rui Ibañez Matoso

Rui Ibañez Matoso is a researcher on new media and post digital technologies, ecological systems and cultural studies.